domingo, 6 de maio de 2012



Não te deites comigo.
Tu não acreditas em meu amor.
- não vês que é dia de lua cheia?
- não vês que teu amor, agora, é dela?
Não há porque me deitar contigo.
Hoje não é noite de deitar, querida.
Hoje é noite de sair pra ver Maria
sendo banhada pelo brilho celeste.

Vai lá, veja o quanto é bela aquela
mulher que anda nua por toda a rua
sem seu vestido rodado de flor e com
seios rígidos que deram leite aos
meninos que ainda dormem.

Vai lá, é coisa bonita de se ver.
É a liberdade que nunca quis dar,
mas que tu sempre precisou - quem
sou eu para cortar o voou de teus pássaros internos?
Quem sou eu para apagar a luz dos teus olhos quando
te encontras com essa enorme estrela que brilha como você?

Vai lá, enquanto eu durmo.
Não precisa te deitar comigo, depois.
Não precisa mentir que me ama acima do céu.
Não precisa me prometer lugar no coração de Deus.
Vai dançar mulher. Vai cantar teus versos.
Vai mostrar tua cara e teu corpo para a rua.

- Não me acorde quando voltar, amada.
Chegue e feche a porta. Olhe nossos filhos, como
de costume. Depois deite nessa cama que nos
esforçamos inutilmente para chamar de "nossa" e
durma com sua nudez de anjo.

Eu terei tomado um vinho, fumado uns 2
cigarros e me banhado rapidamente.
Farei com que não repare que estou ao teu lado.
Fingirei que sou o que tu mais ama.
Acreditarei no teu corpo nu e nas fases da lua.


Tarcila Santana

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Tereza

Ôh Tereza, lave com sabão essa mancha de batom.
Faça daquele jeito que só você sabe:
- segure forte com as duas mãos e jogue esse lençol
lá em cima, peça ao Pai que ela saia e cante músicas
de lavadeira para o pedaço de pano bater forte na pedra.

Olhe Tereza, coloque essa coisa estampada de vermelho
na cerca e não ouse se lembrar como o sujou.
Não me venha com esses suspiros de menino chorão
e olhos todos cheios de "me ame com vontade".
- é hora de estender as manchas, Tereza.

Espera secar, mulher do pedreiro!
As coisas precisam secar depois de lavadas!
Não desconte no pano branco a tentativa frustrada
de tirar mancha de batom da noite viva.
- tu fizeste, Tereza, mas tu sabia que manchas assim
não saem facilmente. Tu quiseste, Tereza. Tu e o pedreiro.

Agora é deixar que o tempo faça velhas essas
coisas vermelhas e ainda vivas.
Enquanto isso, volta no rio e deixa o pedreiro trabalhar.
Volta no rio e se esparrame na poesia molhada de Deus.


Tarcila Santana
Ando tão cansada, entende?
Tu, em teu momento de amor
ao próximo, entende isso?
Compreende que não me faz bem
lembrar das tuas promessas?
- Sim! Aquelas de envelhecermos juntos e de
casarmos na praia sem muitos convidados.
Aquelas feitas na noite de domingo, que, do nada,
tirávamos par ou impar na tentativa de ser o
outro a levantar e apagar a luz do quarto em dia de chuva.

Do fundo do meu coração, me responde: tu entende?
É difícil pra você, logo pra você, que esqueceu tão rápido,
pegar esse entulho de meias sujas, de meias verdades e entregar a sua lavadeira?
Até que eu gostava de suas meias, mas cansei de costura-las.
Mamãe me ensinou a ser costureira. Papai também tinha meias.
Mas sabe o momento que se deseja um cargo maior? Pois.

É justo, homem? É justo lembrar que, por vezes, quebramos
as paredes e atravessamos para o horizonte do nosso encontro?
É justo, homem? É justo lembrar que nos encontrávamos
depois de meses, e nossos olhos não paravam quietos por querer
matar toda a saudade? - Não, não é.

A gente se abraçava e meu mundo desmoronava sobre teu corpo.
Meus medos não deixavam de ser medos, mas ao invés de meus,
se tornavam nossos, como uma reles divisão natural.
Arrancávamos amor, beijos, abraços e toda fúria existente.

Viu, homem? Hoje tu estás no quarto ao lado e te sinto tão longe.
Hoje nossas mãos não reconhecem umas as outras e é triste, homem.
Eu preciso te esquecer e voltar a fazer a separação das estações.
Preciso olhar os cabelos no espelho, calçar sapatos novos, trocar
os móveis da casa e tirar o quadro de lembranças da parede.


(Tarcila Santana - 24/04/2012)

sábado, 14 de abril de 2012

Montanha com amor


E quando a lua desce, as minhas barreiras caem na escuridão das tuas noites.
Eu me desmancho e tomo um café na janela da varanda, misturado ao vento que ameaça trazer pingos de chuva para lavar os nossos corpos. Tu, sentas numa cadeira de balanço lá fora e se cobre com cobertor quente de amor e também tens café em suas mãos. E tudo se torna tão quente. Eu lá dentro. Tu lá fora. Tão distantes e tão quentes. - Pra quem viu, sabe que montanhas vistas de longe, parecem tão próximas, tão verdes. Mas estava coberta de gelo aquela montanha. Quem me dera se Deus, com seu quente-frio enorme, derramasse café quente na montanha. Queria tanto ver seus olhos de montanha. Queria tanto que ela viesse para o lado de dentro ver montanhas sendo regadas por Deus... Seria tão belo uma coisa quente caindo do céu, é bom de se ver. Mas ela estava sentada do lado de fora e com xícara nas mãos. E nem queria saber de montanhas de gelo ou de amor ou de café. Sei que eu estava ali e ninguém me via. E fazíamos movimentos de vai e vem à boca. Um gole pequeno, assoprávamos, um gole grande e dois goles seguidos. Às vezes eu engolia uma montanha, mas isso é normal - é coisa de Deus. 

Tarcila Santana

Sorriso



Acontece que eu não era acostumada a te ver sorrir. Tu, que sempre esteve tão calada, distante, tímida e retraída, agora, me apareces tão aberta; e quente; e viva; e puro amor. Não me interessei porque, de fato, tu ficaste inexplicavelmente atraente... Talvez, eu gostasse mais da tua face fechada. Eu não era acostumada a te ver sorrir, mas como é belo o teu sorriso.


Tarcila Santana

Não mais


Eu, que dizia só teu nome;
que por vezes passei fome
de palavras sufocadas...

Eu, que nasci por um acaso
de amor mal enfeitado
daquele domingo normal...

Eu, que de ti tudo queria,
não mais tenho simetrias
nessa louca matemática.

Eu, que não vejo mais vermelho;
que não sinto teus colores
ou um gesto casual.

-“Não” aos teus lençóis azuis
que saldavam a manhã
encobrindo a luz do sol.

-“Não” a tua cara de "me ame";
as tuas saias coloridas
e mentiras bem contadas!

Eu, que de ti tudo queria,
sem preces e agonia,
hoje não te quero mais.


Tarcila Santana

sábado, 17 de março de 2012

Por amor


Como me faz falta o teu sorriso no canto da boca, teus olhos caídos que não querem acordar cedo, teu cabelo molhado que me convida a um banho. Como te queria, mesmo que só pra te ver assistindo ao jogo do teu time contrário ao meu; mesmo que só pra reclamar da bagunça na cama; mesmo que para pedir que estenda a toalha em outro lugar; ou para deitarmos com a barriga para cima e conversarmos sobre aqueles planos de ir ao barzinho, ter um cachorro (que ainda não sabemos que nome dar a ele), decorar a sala e espalhar uns livros pela casa - esses planos simples que constroem uma vida, sabe?
Queria, ainda que amargo fossem alguns dias, ou que tivéssemos que parcelar algumas compras e lavar a louça do domingo.
- E esse negócio do meu coração palpitar ao sentir tua pele, teu cheiro, teu corpo, é engraçado, porque, preciso dizer até aos meus inimigos o quanto isso me motiva todos os dias.
Te queria, ainda que só por um abraço, ou um beijo, ou dois a três amassos.

Tarcila Santana